ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 19:47:56

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A prestação de serviço público de saúde por fundação estatal de direito privado e o fracasso do rito abreviado para tramitação de ação direta de inconstitucionalidade

 

No segundo semestre de 2008, diversas entidades de trabalhadores e de profissionais de saúde, capitaneados pela Central Única dos Trabalhadores, apresentaram um requerimento formal a fim de que o Conselho Seccional da OAB/SE efetuasse um estudo da constitucionalidade do modelo de fundações que o Estado de Sergipe aprovara em leis estaduais para execução dos serviços públicos de saúde.

A conclusão da OAB/SE foi pela inconstitucionalidade das leis estaduais que autorizaram a instituição das Fundações Estatais de Direito Privado para cuidar da saúde pública sergipana, pelos seguintes fundamentos jurídicos, em síntese: ausência de lei complementar regulamentadora da Constituição Federal, definidora das áreas de atuação das fundações públicas; obrigatoriedade constitucional de que a gestão pública de serviços essenciais, como o da saúde pública, seja efetuada em regime de direito público e, portanto, a inadequação jurídica de que a gestão da saúde pública seja efetuada por fundações de natureza de direito privado; inconstitucionalidade de adoção do regime jurídico da CLT para os trabalhadores das mencionadas fundações.

Em consequência, a OAB/SE encaminhou requerimento ao Conselho Federal da OAB, para que propusesse, no STF, a adequada ação direta de inconstitucionalidade.

No Conselho Federal da OAB, o parecer da OAB/SE não só foi aprovado como, revelando a sua preocupação com a eventual adoção de modelo inconstitucional semelhante em outros estados, foi determinado que fossem oficiadas todas as seccionais da OAB para que informassem a existência, em seus estados, de leis semelhantes, para que também fossem questionadas no STF, e a matéria deixou de ter relevância apenas estadual e passou a ter relevância nacional.

Protocolada em 12/02/2009 (ADI nº 4.197), o então Relator (Ministro Joaquim Barbosa) determinou a adoção do rito abreviado para tramitação, em face da relevância da matéria.

Em 08/02/2011, a Procuradoria-Geral da República emitiu o seu parecer, concordando com a OAB e se posicionando pela declaração de inconstitucionalidade das leis questionadas.

Desde então, o processo não teve maiores movimentações, a não ser troca de Relatoria (decorrente da aposentadoria do Ministro Joaquim Barbosa) e finalmente, quatorze anos após, o STF realizou o julgamento definitivo da ação, em 01/03/2023.

Enfim, qual foi a decisão definitiva sobre essa densa controvérsia constitucional?

A Suprema Corte julgou improcedente a ação, declarando a constitucionalidade das leis impugnadas. A ausência de lei complementar que defina, nos termos do art. 37, inciso XIX da Constituição, as áreas de atuação das fundações públicas foi superada sob o entendimento de que o Decreto-lei nº 200/67 foi recepcionado com eficácia de lei complementar e determina que fundações públicas podem desenvolver atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público; como a Constituição prevê que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, não haveria aí qualquer impedimento para fundações públicas executarem serviços públicos de saúde.

Decidiu ainda o STF que a Constituição não estabelece um modelo de organização administrativa pré-definido quanto à execução de serviços públicos, prevalecendo a autonomia dos entes federativos em sua definição, sendo lícito o estabelecimento de um modelo de execução de serviços públicos de saúde por meio de fundações estatais de direito privado. Em decorrência, decidiu também pela validade constitucional da adoção do regime jurídico da CLT para os trabalhadores dessas fundações, pois é este o regime jurídico funcional de pessoas jurídicas de direito privado, mesmo sendo fundações públicas.

Firmou, ao final, a seguinte tese de julgamento: “É constitucional a constituição de fundação pública de direito privado para a prestação de serviço público de saúde”.

Essa demora no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade para a qual fora adotado o rito abreviado do art. 12 da Lei 9.868/99 “em face da relevância da matéria” é mais um exemplo de que esse procedimento, que foi uma ideia interessante do legislador, para proporcionar que em ações relevantes, ao invés de o tema ser apreciado precariamente em provimento cautelar, ocorra mais rapidamente o próprio julgamento definitivo da ação, acabou se revelando na prática um imenso fracasso, pois muitas vezes, como no caso aqui examinado, a sua adoção faz com que não seja apreciado o pedido cautelar e o julgamento definitivo ocorre em prazo que extrapola os limites da razoabilidade.