ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 20:17:07

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As audiências públicas no Supremo Tribunal Federal

Em 28 e 29 de março de 2023, foi realizada audiência pública no Supremo Tribunal Federal, convocada por Ministros relatores de recursos extraordinários em apreciação, para debater o regime de responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de internet por conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas a partir de notificação extrajudicial.

Na oportunidade, especialistas efetuaram importantes reflexões acerca da matéria, com preciosas contribuições ao debate público que envolve esse complexo e atualíssimo tema com o qual devem lidar as democracias contemporâneas.

É aí que reside, em parte, o problema.

Com efeito, a introdução da audiência pública como mecanismo procedimental na jurisdição constitucional brasileira foi novidade que mereceu aplausos, tendo em vista proporcionar a abertura da interpretação constitucional a todos os atores sociais que podem ser atingidos pela decisão final a ser proferida.

Nesse diapasão, é louvável que a legislação brasileira (Lei n° 9.868/99, Lei n° 9.882/99, Regimento Interno do STF) tenha, com amparo na justificação teórica da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição (Peter Häberle), incorporado esse novo instrumento de interpretação constitucional oficial, mecanismo este que, desde a primeira audiência pública da história do STF realizada em 2007 (em debate as pesquisas em células-tronco embrionárias), incorporou-se definitivamente na prática do processo constitucional brasileiro.

Essa sua institucionalização e prática incorporada ao cotidiano do STF convertem-nas, voluntária ou involuntariamente, em mais um instrumento do protagonismo político da Suprema Corte.

A interpretação constitucional é, também, uma interpretação política, dada a natureza essencialmente política das normas constitucionais. Por isso mesmo, os temas examinados pelo STF são temas de marcada conotação política. Quando o STF realiza uma audiência pública, concentra todas as atenções da sociedade na discussão política do tema objeto de sua realização, como aconteceu novamente envolvendo múltiplas controvérsias acerca do marco civil da internet.

Diferentes atores sociais passam a investir na sua participação na audiência pública como instância de manifestação dos seus pontos de vista, de suas opiniões. O STF se torna, para aquele tema em discussão, palco de mobilizações antagônicas e plurais, depositário das expectativas mais diversas e legítimas.

Todavia, o STF, como o Poder Judiciário de um modo geral, não é a arena mais apropriada para a concentração do debate político nacional.

O risco que decorre da adoção de audiências públicas como prática institucionalizada e generalizada é o mesmo risco do ativismo judicial como um todo: o de tornar a Suprema Corte depositária de todas as esperanças e anseios da sociedade. Já que os demais poderes vêm falhando seriamente no atendimento das demandas coletivas, que o Poder Judiciário e em especial o STF assuma esse papel, em nome do implemento de boa vontade das determinações constitucionais. Desse modo, grandes temas nacionais, que deveriam necessariamente passar por amplo debate democrático em toda a sociedade e nos locais mais adequados para o exercício da representação política dessa mesma sociedade (Poder Legislativo e Poder Executivo), passam a ser objeto de monopolização pelo Poder Judiciário (leia-se STF).

Desnecessário lembrar que quando atores sociais se mobilizam para participar do debate público e exercer pressões legítimas sobre o Congresso Nacional, o resultado é a sensibilização política para a concretização de uma vontade que pode ser materializada em lei, aprovada pelos representantes do povo eleitos diretamente. No caso da mobilização dos atores sociais para levar a sua interpretação sobre os temas constitucionais ao Poder Judiciário e em especial ao STF, tal mobilização não necessariamente traduzirá resultado que espelhe uma vontade política majoritária da sociedade, pois a decisão, aqui, é jurídica, não devendo refletir obrigatoriamente a vontade popular majoritária.

Ao adotar como política institucional a realização de audiências públicas, nesse contexto de intenso ativismo judicial, o STF não está a usurpar o espaço de atuação constitucional e institucional dos demais poderes? É no Poder Legislativo e no Poder Executivo que a sociedade se encontra democraticamente representada, eis que seus membros são eleitos pelo povo. Ninguém elege, porém, os Ministros da Suprema Corte. Tem o STF legitimidade para pautar todo o debate político nacional?

É a pergunta que se impõe, como medida de reflexão, sem descurar da crucial importância do papel desempenhado pelo STF nesses últimos três anos, como instituição garantidora da democracia e que conteve abusos e arroubos autoritários bem como ameaças de rupturas institucionais que abertamente flertaram com golpes e fechamento do regime.