ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 14:08:45

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“O Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”

O que diria Jesus, se, hoje, Ele estivesse aqui, diante de certas atitudes de cristãos que nem sempre se vestem com as roupas da Palavra, mas com as fantasiosas roupas de atitudes tacanhas e, até mesmo, com roupas carregadas nos panos e, por assim dizer, “alegorias”, com a pretensão de serem vestes sacras? Obviamente, as vestes sacras são partes da liturgia católica, mas não os exageros. E alguns prelados têm exagerado. Exibem-se. Chegam a pedir a colaboração de “padrinhos” ou de “madrinhas”, para a aquisição de vestes pomposas, ou as adquirem às custas dos fiéis, que as pagam por meio do dízimo e das ofertas nas coletas das missas. Sem censura. Afinal, cada um tem o seu modo de ser. Pode-se discordar, mas deve-se respeitar.

Lembro-me de uma matéria publicada em uma revista nacional sobre um cardeal da Cúria Romana, cujo nome foi preservado. Dizia a matéria que, do vestíbulo do apartamento à sala de estar, contavam-se sete retratos do purpurado em tamanho natural, cada um com vestes bordadas a fio de ouro. Uma pompa absurda. O culto à própria imagem.

Outro purpurado da Igreja, na Alemanha, arrastava uma capa de vários metros de comprimento com dois jovens segurando-a nos lados, como os véus que algumas noivas ostentam, arrastando-os por toda a nave da igreja. Meu Deus! Jesus, respondendo a um escriba que O queria seguir, disse: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20). Quanto despojamento!

O deslumbramento de alguns cristãos com as vistosas vestes sacras ofusca a simplicidade do Nazareno, mas parece despertar o fascínio de algumas pessoas nas assembleias dos fiéis. Do contrário, não seriam usadas. Há uma resposta cabreira e facciosa para essa pompa circunstancial: “O culto a Deus exige o melhor”. Não custa lembrar estas palavras em Oséias: “Não quero sacrifícios: quero o seu amor. Não me interesso por suas ofertas; o que eu quero é que vocês me conheçam” (6,6).

Tempo houve em que se disse: “O hábito faz o monge”. Preferível seria dizer: “O monge faz o hábito”. Ou seja, o hábito não deve honrar o monge. O monge deve honrar o hábito.

Há, contudo, exemplos maravilhosos, que enchem os olhos daqueles que optam pela sobriedade no vestir os paramentos litúrgicos. Um belo dia, um grupo de pessoas se cotizaram para dar ao saudoso padre Pedro uma bela batina, adquirida em famosa casa de artigos litúrgicos do Rio de Janeiro, posto que a dele estava bem surrada. O nosso irmão Pedro recebeu-a e doou a outro padre, alegando que Jesus recomendara aos discípulos, quando os enviou, de dois a dois, que “não levassem coisa alguma para o caminho, senão somente um bordão; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; como calçado, unicamente sandálias, e que não portassem duas túnicas” (Mc 6,7-9). Estas, pois, as recomendações do Divino Mestre, para se viver a missão, dentre outras desfiadas ao longo dos Evangelhos.

Num mundo marcado pelo materialismo, pelo egoísmo, pela desigualdade social, os enviados de Jesus são convidados a apresentar-se na liberdade que nasce do espírito de pobreza, na confiança no Deus que tudo providencia (Lc 12,31). Para quem realmente crê. Jesus parecia desenhar a figura de um peregrino. As sandálias nos remetem aos pés cansados e empoeirados dos mensageiros da Boa Nova, que caminham livremente. Caminham sem apegos aos bens materiais, embora se saiba que as necessidades do dia deia devem ser devidamente supridas. Sem excessos.

Por fim, as últimas recomendações: “Quando vocês entrarem numa casa, fiquem aí até partirem. Se vocês forem mal recebidos num lugar, e o povo não escutar vocês, quando saírem, sacudam a poeira dos pés como protesto contra eles” (Mc 6, 10-11).

A proclamação da Boa Nova deve fazer-se em liberdade, não se podendo obrigar ninguém a aceitá-la. Por isso, a orientação é permanecer com aqueles que a acolhem, e deixando aqueles que a rejeitam. É preciso ter cuidado com a interpretação desta recomendação. Sacudir a poeira dos pés era um gesto simbólico dos israelitas que, ao ingressarem ao próprio país, depois de terem estado em terra de pagãos, não queriam ter nada em comum com o modo de vida deles. Por isso, sacudiam o pó das sandálias, como se fosse para não contaminar a sua terra.

O gesto que se deve ter com aqueles que não aceitam a proposta do Evangelho não pode ser lido como intolerância de certos missionários que não suportam a rejeição. Jesus não obrigou ninguém a segui-Lo. A missão é evangelizar. A conversão fica por conta de cada um que ouvir a Palavra.

A rejeição a Jesus é, sim, sinal de ruptura, mas deve representar respeito pela escolha feita, por mais que isso implique sofrimento para o semeador da Palavra. Ele deve ter uma atitude tolerante e compreensiva, esperando uma nova oportunidade, quando o chão do coração se tornar propício para acolher a semente. A intolerância não leva a lugar nenhum. Nada melhor do que tentar mirar-se no próprio Cristo: “Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).