ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 7:38:21

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O professor em três atos

Primeiro ato: o professor surpreendeu a turma: arguição. Caderneta na mão, abriu no meio, justamente no meu nome, que, aliás, era o último. Fui ao quadro, a cara de quem caminhava em direção à forca. Nem sei o que me mandou escrever, nem o que perguntou. Gaguejei aqui e ali, o tempo não corria, eu sem esconder o constrangimento que passava, a classe inteira calada, que aluno nenhum teria coragem de conversar, o silêncio sepulcral, digamos, e eu fazendo das tripas coração para responder o que não sabia. O suplício levou a aula inteira. Escapei com vida. Nota de reprovação, se fosse a final: 4,5.

Segundo ato: na aula seguinte, no outro dia ou depois, o professor repete a arguição. Para meu azar, tinha perdido a caderneta anterior, a minha nota tomando o mesmo destino. Com uma nova, abriu exatamente, custa acreditar, no meu nome. Fui até o quadro, mas criei coragem para esclarecer que já tinha sido arguido na aula passada. Obrigação do aluno é estudar, foi a sentença prolatada. Mas, além de mim, outra vez submetido a sessão de tortura, estavam trinta e um alunos a testemunhar o massacre a que era submetido, nenhum outro sendo sacrificado. Só eu o escolhido. Meu esclarecimento não serviu para nada. No código do lecionador, o aluno podia ser arguido todo dia. Realmente, não era meu dia de sorte, a cara de quem ia ser fuzilado mais uma vez. Resisti, premiado com a repetição das perguntas e nota da aula pregressa.

Terceiro ato: Em dia que nenhum escriba anotou, em outra turma, a A. Eu fazia parte da B. Um aluno colocou um sapo na carteira do colega que sentava bem em frente ao professor, cara a cara, precisamente o que me fuzilou durante duas aulas consecutivas. O mestre chega, alunos calados. Faz chamada e a bomba explode. Explico por etapas. O aluno da frente coloca a mão na carteira para pegar um dos cadernos quando sente que sua mão toca numa superfície fria e visguenta. Ao segurar, por curiosidade, para ver, afinal, o que se tratava, se depara com o sapo. Não aguentou o susto/nojo, dando um grito que espaventou os colegas, jogando o anfíbio no chão, os cadernos e livros caindo também, o aluno se levantando com um pulo.

O lente se irritou, perdeu a elegância, escapou a grosseria que escondia. Queria saber quem foi o autor, ameaçou, bravejou, ia apurar, os alunos calados, até o que se assustou com o sapo a esta altura com medo de ser castigado. O mestre colocou os seus livros na mão. Retirou-se. O autor da façanha? Segredo absoluto. Moleque para tanto tinha. Todos de boca fechada, felizes porque a aula não foi dada. A retirada do docente, de tão querido, se constituía em um alívio. Palmas, portanto, para o sapo, que ninguém se lembrou de agradecer.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras