ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 9:19:08

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Da paisagem, o que colhi

O vento balança os galhos dos coqueiros, provocando uma dança das palmas do vai para a frente e do vem para trás, na repetição dos mesmos gestos, sem perder a elegância e a harmonia, tingindo também a amendoeira, cujos galhos parecem valsar, num subir e descer em conjunto, a lembrar elegantes damas de vestes múltiplas, que se inclinam e se levantam segurando a saia. Essa dança se repete na frente da casa ao lado, dando a impressão de que altos e velhos coqueiros se curvam como tivessem a frente uma dama imaginária, todos os cinco, em tamanhos diferentes, coqueiros que não mais se plantam, todos obedecendo a um comando que o vento impõe, senhor pleno e absoluto da noite, a mostrar em seus sopros que o momento é seu, exclusivamente seu, para a valsa sem música, em  movimentos cadenciados, artista único da noite que se inicia, na fabricação de vento que bate no meu peito e mexe nos cabelos que ainda me restam, em total contraste com o calor que a manhã e a tarde patrocinaram.

Pode ser um pouco do paraíso, que já senti, em janeiros e janeiros atrás, no alto de dunas, aqui não tão distantes, céu nublado de chuva que tinha caído, o sol escondido atrás de imenso mundo de nuvens, temperatura suave, e eu solitariamente imperando no meio de cajueiro rasteiro e isolado, frutos grandes e gordos por todos os lados, sem saber quais eram os escolhidos entre tanto caju pendurado a minha frente, a sensação segura de ser aquele espaço um minúsculo pedaço do paraíso desconectado das páginas da Bíblia, que era colocado aos meus pés para eu acreditar na história de Adão e de Eva, a me dizer, nas entrelinhas, para meu entendimento, que o paraíso existe e ali estava uma mostra. É certo, e devo admitir, que não apareceram araras coloridas, nem papagaios esverdeados, nem ouvi o sonoro canto de um sabiá de praia, o silêncio completo na ausência de qualquer som, talvez porque eu não merecesse tanto.

De manhã cedo, olhei o céu, os coqueiros e amendoeira estáticos, o vento ausente, as ondas cadenciadas, em movimentos rápidos, descendo sobre a praia, as espumas brancas predominando, se desmanchando ao contato com a areia, ondas seguidas de outras que carregavam igual velocidade e beleza, e, inconscientemente, como se minha cabeça estivesse a obedecer a comandos que não eram meus, pensei que poderia ver surgir dali uma sereia acenando no meio das espumas. Se surgiu, não vi. Choveu, trovão berrou feio lá em cima, o que me fez recolher. Não sou chegado a trovão, ainda hoje.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras