ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 2:41:33

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Um colega do clássico

Não sei o que me causou mais espanto: a notícia de sua morte, nos anos oitenta, ou o batizado de uma rua com seu nome. O certo é que me lembrei dele, principalmente da última vez que o vi, sentado no muro da Catedral Metropolitana, final da década de sessenta, umas dezesseis horas, me deslocando até onde ele se encontrava, formulando a pergunta de praxe: como vai? A resposta imediata: enganando a humanidade. Deixei o riso explodir e me retirei, continuando a caminhada para o comércio central.

Fomos colegas do primeiro ano do curso Clássico, no Colégio Estadual de Sergipe, ano de 1966. Ele magro, bem esbelto, um tanto alto, ou mais alto do que eu, rosto vermelho, cabelo preto penteado com muita brilhantina, movimentando-se com rapidez. Não era totalmente feio, digamos, a cor e o rosto miúdo lembrando mais um súdito inglês do que um cidadão nordestino. Um traço que não deve faltar: era bem- humorado. Geralmente suas intervenções, em aula e nas conversas de corredor, exibiam um sujeito leve e alegre. Não me lembro se findou o ano ou se saiu antes. Recordo que, uma vez estava no canteiro de uma casa, Rua de Maruim esquina com a Rua de Itabaiana, casa que tinha uma placa com o nome de uma mulher – que provavelmente teria sido proprietária do imóvel, poucos colocavam placa na frente da casa -, quando abriram a porta, e o vendo ali, perguntaram o que fazia. Estava sendo esperado pela dona da casa, cujo nome recitou, citando o nome da placa. Desta vez quebrou a cara, ante a explicação que lhe foi dada: a dona da casa era falecida há uns quarenta anos. O fato foi ele próprio que contou.

Tenho a leve impressão que, ainda no primeiro ano, algum colega comentou na sala, ante a sua ausência ou abandono do curso, que ele estava negociando com antiguidades. Só. Dele nada mais ouvi.

Veio o segundo ano, a turma com novos cristãos, o terceiro, em sala quente e apertada, o encerramento, vestibular, ingresso na Faculdade de Direito, a vida seguindo, quando, lá para as tantas, enfim, brotou a notícia de sua morte. Não segurei o riso. Não pelo óbito, mas por um fato em si. Aula de geografia. A professora, após explicação, que, às vezes, ninguém entendia, pergunta-lhe, de chofre, por que ocorriam precipitações atmosféricas  nas escarpas da Serra do Mar. Resposta imediata: Ora, professora, chove porque Deus quer. A mestra fez um biquinho com a boca. Mas, falo eu, agora – na hora, fiquei calado -, foi assim que a gente aprendeu desde menino, afinal é São Pedro quem abre e fecha as torneiras. Ele tinha razão.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras