ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 0:54:19

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De doido, de santo e de Bobis

Se é doido quem joga pedra em santo, não há mais doido, porque não se encontra mais santo em lugar algum, até mesmo nas estradas, dado que estes não se deslocam mais de pé de um lugar para outro. Há transporte para tanto.  E santo, bem, só nas igrejas, nos altares, com suas longas togas, de coloridos diferentes, algumas peças parecendo uma grande toalha a descer pelos ombros, segundo as imagens que nos passaram. Talvez seja mais conveniente deixar o santo por lá, transvertido em imagem, até mesmo pela dificuldade de encontrar um, afinal, santo mesmo, de verdade, não se expõe em nenhum estabelecimento comercial, nem se coloca anúncio de venda nos classificados de jornais. Melhor partir para outro cenário, do doido que rasga dinheiro. E se rasga é dinheiro falso, porque o verdadeiro não está tão fácil de conseguir.

De doido, se o termo exato é esse mesmo, fico com o que berra perto do edifício onde moro. Em geral, pela manhã. Grito rouco, brados altos, a mão apontada para o posto de gasolina da esquina, vociferando, vociferando, até que para, ou se retira à míngua de qualquer reação, ou eu me acostumo com o barulho, o estrondo desaparece e eu não percebo mergulhado no meu labutar.  À tarde, caminhando no Calçadão, de quando em quando, o avisto, silencioso, cabelo grande de quem não sabe o que é uma escova há muitos séculos, barba para fazer, às vezes sem camisa, calça suja e rasgada, pés descalços, a caminhar, rapidamente, sem se dirigir a ninguém, sem assimilar o estranho mundo que o cerca. Não parece com o que esgoela pela manhã.

De longe vem à lembrança de Bobis, uma empregada de cozinha, que trabalhou na minha rua e habitou minha juventude. Bobis que, no fundo da casa, à noite, recebia a rápida visita de jovens de minha idade – um colega de série, nos tempos do ginásio, me confidenciou – em  fugaz instante, a satisfazer assustados aprendizes. Anos depois, a vi nas ruas da vida, maltrapilha, a flanar nas calçadas segurando um sapo morto por uma das patas, o filho, pequeno, a acompanha-la. Cena danada de forte que não esqueci, Bobis perambulando diuturnamente, a miséria estampada em todo o corpo, sobretudo nos olhos que pareciam nada ver, nem as ruas, pessoas e casas, nem a terrível miséria que asfixiava sua vida, na qual o filho já integrava.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras