ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 18:26:44

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No meio do passeio, tinha uma lição

Dia desses eu levei Toquinho (meu doguinho top das galáxias) pra dar o velho passeio na praça em frente à minha morada. Rotina traçada, um poste aqui, uma árvore ali, o inveterado canino foi criando seu nicho de deságue de marcação de território, um Napoleão Bonaparte peludo se achando o dono do universo.

Depois de muitos esvaziamentos na bexiga, Toquinho, folgado que é, exige, ao seu modo, um merecido descanso à sombra de uma cobertura no meio da praça. Fiquei a ver o desmanchar-se da brisa entre as folhas das palmeiras imperiais plantadas no local enquanto o descansado príncipe esfriava a barriga no banco lilás de concreto. O sol batia a pino em doze badaladas de calor. Meio-dia de quentura em graus cabrunquentos. Mas estávamos acolhidos pela cobertura!

Foi quando chegou um rapaz, que acabara de executar serviços na região (trabalha como leiturista), e parou para pegar aquele rango fenomenal trazido de casa (quem tá com fome sabe que o sabor da comida se acentua com a barriga vazia e o cansaço no corpo). Ele pediu licença e começou a colocar sobre a mesa, organizadamente, um pequeno pano de prato, uma marmita plástica, talheres e um cantil com água bem gelada. A comida exalava um perfume de caseirismo que deu vontade de ir lá pra casa da minha mãe Salvelina pra comer um feijãozinho topado.

– Rapaz, a comida tá cheirando!, falei.

– É. O rango tem que ser bom pra manter o nível de alimentação constante.

Ri de canto de boca com a resposta e começamos a trocar uma ideia. Lucas, menino inteligente, boa conversa, percebi que havia algo diferente nele. E tinha. Ao encerrar a sua refeição, ele sacou da bolsa um livro e começou a ler. Rapaz, aquilo me deixou estupefato.

– Mô fio, você gosta de ler! Que coisa boa!

– Ler é meu passatempo preferido. São três leituras por dia: ao acordar, depois do almoço e antes de dormir.

Acho que meus olhos verdes grandes denunciaram a minha surpresa e o sentimento de alegria ao me deparar com um leitor (raridade hoje em dia), sobretudo, tão jovem. Fiquei curioso pra saber de onde vinha a inspiração/motivação para o hábito de leitura.

– Minha mãe sempre me incentivou. Livros eram meus presentes preferidos. E ela, minha inspiração constante, porque sempre estava com um livro à mão.

Naquele momento, passou a me contar sua história de vida, desde que ele (ainda pequeno) e a mãe saíram de Alagoas e vieram a Aracaju pra tentar melhorar de vida. Ela ’se virou’ vendendo Avon, Hermes, Hinode, Tupperware (acho que se escreve assim), estudou e fez curso universitário, formou-se e se tornou profissional diplomada.

Fiquei emocionado quando ele me relatou que, certa vez, estava em uma loja com a mãe, quando viu um carrinho eletrônico e pediu a ela, que lhe respondeu:

– Hoje, eu não posso, mas quando puder, vou comprar sim pra você.

Ele disse que ficou triste naquele instante, mas entendeu. Até que um dia, ela estava diante do computador e lhe disse:

– Lucas, venha cá. Lembra que muitas vezes você pediu pra brincar com você e eu dizia que naquela hora não poderia porque estava estudando? Olhe aqui meu nome dentre os aprovados em um concurso! Amanhã mesmo vou comprar aquele carrinho que você me pediu.

Ele disse que ficou muito emocionado com as palavras da mãe e entendeu que sacrifícios eram necessários para chegar à realização de sonhos. Lucas também disse não entender por que tantas pessoas se prendem a desculpas e vivem à mercê de outras em vez de procurarem ampliar seus próprios horizontes, assim como fez sua mãe.

Ganhei o dia. Renovei a motivação diária. Até Toquinho parou pra ouvir e ficou quieto como se estivesse entendendo tudo. E estava. Por mais conversas assim.

Ah, esqueci uma informação: Lucas já é formado em Engenharia de Produção. O moleque vai longe!