ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 1:48:07

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O retrato do candidato pessedista

No formato primevo, a casa tinha quartos de um lado e de outro, com corredor no meio. O tempo ensejou alterações. Os quartos passaram para o lado direito e no esquerdo, a fartura de salas, uma, duas, três, quatro. Justamente na quarta sala, a máquina de costurar de mamãe se situava, máquina Singer, onde, à noite, a partir do momento em que os pratos, usados no café – não se usava o termo jantar – estavam lavados, a cozinha e a mesa arrumadas, mamãe assumia o comando da máquina de costura, o radio RCA Victor ligado na Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. Não perdia a programação noturna, sem sair da máquina. O rádio só era desligado quando ia dormir.

O rádio tinha antena, o fio que subia pela parede, como se fosse uma lagartixa fina e comprida, e, no oitão da casa, a antena se fixava, essencialmente esquálida. Algumas cadeiras, de palha, aqui e ali completavam a paisagem da sala. Mamãe tinha a visita de Caçula de Zezé Aleijado, que lá comparecia, toda noite, para ouvir a novela depois do Repórter Esso. Conversavam e ouviam. Justamente, nessa sala, na parede, perto de uma janela, eu e Bosco pregamos o retrato de José Rollemberg Leite, então candidato ao governo do Estado de Sergipe. Ano 1958.

Retrato, digo melhor, propaganda da sua candidatura. Ainda o tenho na memória. Papel liso, brilhante, o retrato no meio,  o fundo preto, o candidato trajando um terno, sumamente sério, parecendo um três por quarto, o nome e, talvez, talvez, a legenda costumeira: Para governador, vote em José Rollemberg Leite. PSD. Não sei se fui exato. Mais ou menos por aí.

A gente a ele não se referia pelo nome completo. Era só Zé Leite, na intimidade do Zé, Itabaiana sendo palco do encerramento da campanha pessedista, comício pela tarde em Frei Paulo, e à noite, em Itabaiana, e eu não me lembro mais se foi na porta de Manoel Teles ou no coreto da Praça da Santa Cruz. Eu tinha oito anos, não valorizando muitos fatos, e, entre eles, os comícios do PSD, que não me lembro de nenhum, nem, igualmente, de outras propagandas, o receio hoje de não misturar a campanha de Seixas Dorea, em 1962, com a de José Rollemberg Leite, em 1958. Não me recordo sequer de mamãe saindo para votar na Praça da Igreja, onde a votação se concentrava, nem ao menos de tê-la acompanhado. Papai sempre votava pela manhã.

Ao que parece, e hoje chego à conclusão, que a disputa eleitoral para mim se resumia apenas ao retrato de José Rollemberg Leite na sala lá de casa, retrato bem pregado, uma fita verde e amarela que, cuidadosamente, anexamos a foto, e, o candidato ali, o rosto sério,  mamãe sempre contando a história de, numa festa religiosa em Macambira, José Rollemberg Leite governador do Estado sendo esperado, algumas pessoas confundiram papai com ele, papai sendo cumprimentado como se fosse o governador,  e, depois, se afastando sorrateiramente depois que a caravana atracou na cidade para participar da procissão do padroeiro.

Quando a derrota pessedista foi oficializada, a notícia não me afetou, não me cobri de tristeza, nem alterei o espaço da manhã para as brincadeiras e a rotina das aulas pela tarde na escola de D. Maria de Branquinha, nem foi retirado o retrato do candidato pessedista da parede da sala, lá permanecendo durante muito tempo, como se fosse membro da família.