ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 9:41:05

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Troque seu cachorro

Dia desses eu estava procurando emissoras de rádio interessantes. É que baixei um aplicativo que me permite acessar TODAS AS EMISSORAS DO MUNDO. Isso é muito punk (nem sei se o termo ainda é usado…rsrsrsr)! Ouvi as ondas sonoras vindas do Camboja, Vietnã, Rússia, Bélgica, Boca do Acre (esta última fica lá no Amazonas e tava rolando Devinho Novaes).

Encantado com a descoberta, busquei os mais longínquos recantos do Brasil. Numa dessas paragens, ouvi uma canção a qual há muito tempo não soava nos meus ouvidos: “Troque seu cachorro”, do inveterado Eduardo Dusek. Ao me deliciar naquela canção, que me remetia à minha infância na década de 80 (a música nos transporta, não é?), parei pra prestar atenção à letra. Veja um trecho:

“Troque seu cachorro por uma criança pobre

Sem parentes, sem carinho, sem rango e sem cobre

Deixe na história da sua vida uma notícia nobre

Troque seu cachorro

Troque seu cachorro

Troque seu cachorro

Troque seu cachorro…”

Apesar de trazer consigo um ar de humor e descontração, a poesia dusekiana me fez refletir o quanto estamos engajados na adoção dos pequenos canídeos e nos esquecemos dos pequenos humanídeos. Isso me lembrou um certo dia quando estava levando Toquinho (meu ‘broderzinho’ de 4 patas, dois palmos de pelo e charme) para passear na praça. O safadinho aproveita o passeio para ‘desaguar’ nos postes (nenhum poste ainda mijou em Toquinho, mas não duvido que isso aconteça um dia), nos pés dos bancos, na base das paredes…

Numa dessas mijadinhas, um morador de rua que olhava a cena falou:

– Se fosse eu mijando assim na rua? Tava preso!

Embora em tom fleumático, aquela colocação estava carregada de verdade. O fato é: estamos em um processo muito acentuado de humanização dos animais e animalização do ser humano.

– Ah, André, você está exagerando!

Estou não. É uma constatação de uma realidade que se acentua, mas não é vista. É um paradoxo. Quanto mais cresce mais desaparece. Basta dar uma olhadinha na quantidade de crianças nos abrigos brasileiros, sem expectativa de uma adoção que esbarra num ordenamento jurídico absurdo.

Na proporção contrária, recrudescem os ‘pet shops’, novos produtos são lançados, surgem novas modas, enfim, o nicho comercial é gigantesco, inclusive é um dos setores que mais crescem no Brasil. Biscoitos, sanduíches e até sorvete para cães já estão disponíveis (vai dizer que você não sabia disso?). Até os nomes dos bichinhos são humanos. Rex, Brutus? Que nada! São vocativos antigos que já saíram de moda. Sophia, Jack, Pedrinho, Luke são alguns nomes que eu ouço nos passeios na praça.

Você poderia até dizer que não passa de um olhar acentuado para o mercado de produtos. Tudo bem, a questão é também mercadológica. Mas tem sociologia aí. Quem teria coragem de trocar seu cachorro por uma criança pobre?