ARACAJU/SE, 3 de maio de 2024 , 12:34:29

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Da morte e de lamentações

As pessoas do meu tempo estão morrendo, lamentavelmente morrendo. Além de parentes, pessoas que conheci, vi desde menino, conversei, convivi, fizeram parte de alguma parte da trajetória de minha vida, uns por mais tempo, outros por menos, mas aqui e ali presentes, de modo a integrar o meu mundo. Estão indo, compulsoriamente indo, por problemas que a medicina não encontra solução, ou por motivos outros, indo, mesmo sem deambular mais, as mãos cruzadas na barriga por terceiros que assim arrumaram, os olhos que a morte cegou, a boca que se fechou para qualquer palavra ou mastigação, e, ao viajar, despovoam o meu mundo de parentes, amigos e conhecidos, me deixando mais só.

De uns, a triste realidade de reconhecer que a morte veio para lhe tirar o sofrimento, ofertando-lhe o descanso, porque a agonia enfrentada foi intensa, até atingir o estado em que a sensibilidade se dilui ante a força da dor, a pessoa vive sem viver, totalmente alheia a quem dela toma conta ou lhe assiste na via sacra de dias que não são dias, apenas noites, como se, primeiro, ofertasse a morte um pouco do que a pessoa terá no amanhã, para o corpo se acostumar a não ser mais corpo, apenas restos mortais, que se não sepultados no tempo certo, se transformam em um monte de carniça, para depois, na eternidade de um túmulo, alcançar o degrau de ossos, e, daí se transformar em pó, nada mais do que pó. Ao pó retornarás.

Tudo é fruto dos janeiros vividos e ultrapassados. E quanto mais se avançar, mais enterraremos nossos mortos, parentes, amigos, conhecidos, alargando o coração para caber a saudade que cada um, à sua maneira, enseja, a depender dos laços fabricados, a lembrança de um e de outro surgindo aqui e acolá, a conversa mantendo vivos os mortos, numa permanente ciranda a evidenciar o caráter transitório de cada um e o peso que as lembranças ensejam.

Mamãe contava uma história em que a pessoa se esconderia num pote quando a morte estivesse para chegar. O pote precisava ser bem grande, para acomodar direito alguém dentro dele. Tenho convicção que não daria certo. Seria tanto pote em cada casa que a morte ia desconfiar de ser uma armação. E, cá para nós, a morte não brinca de esconde-esconde.